quinta-feira, 9 de julho de 2009

Site do CNPq abriga currículos falsos

Banco de dados indica que locutor Galvão Bueno é médico com doutorado em física; controle mais rígido está em debate

Última reunião da comissão que avalia problemas com o sistema analisou dez denúncias, aplicou três expurgos e uma suspensão

HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

Está no currículo Lattes: Galvão Bueno, o locutor esportivo da Globo, tem graduação em medicina pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), mestrado em engenharia eletrônica pelo MIT (Instituto Tecnológico de Massachusetts) e doutorado em física pelo Caltech (Instituto Tecnológico da Califórnia). Trata-se, evidentemente, de uma falsificação, ao que tudo indica produzida para ilustrar a vulnerabilidade da Plataforma Lattes a fraudes.
A peça fictícia está sendo usada numa polêmica que mobiliza pesquisadores de diversas áreas. No caso, é argumento em favor de controles rígidos sobre a mais importante base de dados a respeito de cientistas e instituições de pesquisa do país, mantida pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). O debate é relevante porque o currículo Lattes é um dos elementos que mais pesa na hora de decidir a destinação de verbas públicas para laboratórios, bolsas, viagens etc.
O currículo falso de Galvão Bueno -que também informa que o apresentador é fluente em croata, chinês e guarani- já foi retirado da base de dados do CNPq, mas ainda pode ser encontrado em imagens "cache" de sites como o Google.
Os defensores de maior rigor na plataforma, entre os quais o físico Paulo Murilo Castro de Oliveira, 60, da Universidade Federal Fluminense (UFF), dizem que o CNPq deveria verificar a fidedignidade das informações postadas. Segundo ele, "são cada vez mais frequentes as notícias sobre fraudes. O fato é que oportunistas existem em todas as áreas, inclusive entre cientistas, naturalmente".
A revista "Piauí" publicou reportagem mostrando que até o currículo Lattes da ministra Dilma Rousseff foi "turbinado" (leia mais na página A8).
Para o pesquisador da UFF, "é preciso fazer algum tipo de verificação. As informações que estão na Plataforma Lattes devem ser checadas pelo CNPq e, se não houver o trabalho que o sujeito diz que publicou, ou o curso que ele diz que fez, o usuário deve ser questionado".
Quando surgiu, há dez anos, a Plataforma Lattes tinha apenas o objetivo de servir como fonte de informação "inter pares". Mais recentemente, contudo, a base cresceu e ganhou novas funções: orientandos se valem da plataforma para selecionar seus orientadores, e vice-versa; alunos usam-na para saber quem é que lhes dará aulas; empresas, para selecionar consultores; jornalistas, para eleger suas fontes. "Até existe um caso de um administrador que usou o Lattes para achar um profissional em São Paulo com a especialização médica que a mulher dele necessitava", disse Geraldo Sorte, coordenador-geral de informática do CNPq.
A ala mais liberal, que inclui pesquisadores como o bioquímico Rogério Meneghini e o físico Ronald Cintra Shellard, admite que a fragilidade da base dá margem a injustiças, mas não acha que seja o caso de criar uma "polícia do Lattes".

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